segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Ensino na floresta é precário, mostra estudo do governo

Ensino na floresta é precário, mostra estudo do governoPDFImprimirE-mail
01-AGO-2011
Projeto de educação em reservas anda para trás 

Plano é engavetado; com escolas só até a 4ª série, ribeirinhos vão para as cidades e retornam com hábitos urbanos
Catarina Alencastro : O GLOBO
BRASÍLIA. A presidente Dilma Rousseff abandonou um programa apoiado pelo governo Lula em uma área que liga educação, meio ambiente e viés social - tripé que ela encampou na campanha eleitoral. Gestado na Secretaria de Assuntos Estratégicos em 2010, o projeto "Educação e Qualificação para Comunidades Extrativistas" contava com o aval pessoal do ex-presidente e do então secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), André Lázaro, do Ministério da Educação, que foi substituído. E o plano acabou engavetado.
O projeto, também chamado de "Saberes da Floresta", atenderia uma das populações mais vulneráveis do país: ribeirinhos que moram nas 89 Reservas Extrativistas (Resex) e de Desenvolvimento Sustentável (RDS) da Amazônia. Representando as comunidades, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) passou um semestre trabalhando na elaboração do programa, que preencheria o vácuo do ensino de crianças, jovens e adultos que moram nessas Unidades de Conservação.
- Houve uma fase de transição e não conseguimos falar com a Secad. O pessoal (ribeirinhos) ficou meio desanimado porque tinha trabalhado muito. Houve uma carta para a presidente Dilma, que disse que ia agendar um encontro, mas não agendou. Atribuo isso à transição de governo. A gente resolveu dar um tempo até as pessoas se assentarem. Estamos em condições de retomar a proposta - disse Mary Allegretti, consultora ambiental que coordena o projeto. Ela ainda tem esperanças de que a pauta seja aproveitada pelo novo governo.
Presidente do CNS, Manoel da Cunha conta que a maioria das comunidades só tem escolas até a 4ª série do ensino fundamental. Por isso, grande parte dos jovens sai da floresta rumo às cidades para continuar os estudos. Com esse movimento, nas reservas ficam apenas velhos, mulheres e crianças. Para os que deixam os lares, as consequências são ainda piores: acostumados com uma vida voltada para a família e a natureza, os adolescentes não raro cedem a tentações urbanas como o álcool e a prostituição.
- Além de as comunidades ficarem esvaziadas, a tragédia maior é o que acontece quando esse caboclo vai para o mundo urbano. Ele chega lá despreparado e, muitas vezes, começa a beber muito, e as meninas caem na prostituição - relata Cunha, que é morador da Resex do Médio Juruá (AM), onde vivem 700 famílias.
Nessa reserva, a atividade principal é o extrativismo de borracha e de açaí. Cunha afirma que poucos egressos que vão estudar fora retornam à comunidade e, quando isso acontece, os "forasteiros" acabam desagregando as famílias com os novos hábitos e costumes que trazem consigo.
- O namoro urbano é diferente. Quando ele (quem vai estudar fora) volta, quer fazer o mesmo aqui, aí vêm os problemas: gravidez na adolescência, briga entre as famílias. Uma coisa dessas para um pai da comunidade é o fim da picada - aponta.

Ainda assim, o ministério diz não saber se o projeto sai
BRASÍLIA. O Ministério da Educação confirma que o projeto para organizar o ensino na floresta está parado e diz não existir ainda uma decisão sobre sua continuidade. Apesar disso, o governo passado fez um diagnóstico do quadro atual da educação em 89 unidades de conservação, onde vivem mais de 60 mil famílias. Feito em parceria entre a Secretaria de Assuntos Estratégicos e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, o estudo, ao qual O GLOBO teve acesso, revela que nenhuma comunidade tem ensino superior, e apenas numa, a Reserva Extrativista (Resex) Marinha Araí-Peroba, no Pará, há creche.
Os resultados constam de um relatório amostral feito em cinco unidades (quatro Resex e uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável). Nesses locais, a pré-escola só está disponível em três comunidades, e o ensino médio também é escasso. Apenas 377 jovens estão inseridos nesse ciclo escolar, o que demonstra, segundo o diagnóstico, que há um alto grau de evasão nessa etapa educacional. O ensino fundamental é o mais amplo nas comunidades ribeirinhas. Nas cinco unidades avaliadas, há 87 instituições que oferecem esse nível escolar. A qualidade do ensino também é ruim. Os professores não têm formação adequada, e há casos de quem leciona no ensino médio tendo apenas o ensino fundamental como base.
Outro problema é o alto índice de analfabetismo e de analfabetos funcionais. Voltado para esse público, o programa "Brasil Alfabetizado", principal instrumento do governo federal de Educação de Jovens e Adultos (EJA), só é oferecido na Resex Araí-Peroba. Além disso, a escolas estão em situação precária. Algumas não contam sequer com banheiros. Para a maioria dos casos, recomenda-se a construção de novas instalações ou a reforma das estruturas.
Finalmente, os ribeirinhos reivindicam um modelo de ensino que considere os costumes locais. "Na Resex Marinha Araí-Peroba, ressaltou-se que a escola não atende aos que trabalham com a pesca, uma vez que, em geral, eles perdem aula ou se evadem da escola por conta desse sistema de ensino tradicional, que não apresenta maleabilidade. Assim, um grande número de crianças e jovens deixa de estudar para se dedicar à pesca", diz o documento.
A demanda por educação por parte dos extrativistas é antiga. Consta do documento assinado por lideranças no 1º Encontro Nacional de Seringueiros da Amazônia, ocorrido em Brasília em 1985. (Catarina Alencastro)