domingo, 3 de abril de 2011

MÚSICA: Dona Graça (Rio Purus/Acre)


Depois de ouvir a música da D. Graça, que tal conhecer um pouco mais sobre a história dessa linda mulher. Abaixo, texto de Felipe Cruz Mendonça, extraído do blog http://diariodeumacreano.zip.net/, que indico para conhecer mais sobre a ribeirinha lá do Acre:

A Nobre que é uma Graça (Diário de um Acreano 63)


ATENÇÃO! ATENÇÃO! Mais uma do diário casual mais lido lá na Sobral. Direto da terra que maltrata, mas retrata. Sorriem, é dia da independência do dependente.
E viva o Pré-Sal, o tira gosto insosso do nosso futuro! 
Antes de qualquer coisa, peço desculpas às pessoas que reclamaram pela demora do diário dessa vez. Tá bom! Tá bom! Foi só minha mãe e meu pai... Mas confessa que você também sentiu falta... a vá! Eu, como um bom exemplo do nosso tempo, venho me dedicando mais ao trabalho do que as coisas lúdicas que nos dão vida e por isso estou longe das bobagens que escrevo. Mas hoje volto brevemente a este meu modesto e honesto palanque para contar das poucas coisas que sei e de muitas que nada sei.    

Meus amigos, dessa vez gostaria de falar de uma pessoa e, pra tanto, já começo caindo em lugar comum. Por mais óbvio que possa parecer (e não menos estranho de se pensar), o fato é que gente é gente em qualquer lugar (até rimou!). Gente, minha gente, é outra coisa (imprecisa), diferente das estrelas (precisas). Na Arapixi, por exemplo, tem os do bem, os do mal, os tristes, os felizes, os bravos, os resignados, os quietos e.... a Dona Graça.

A senhora Maria Nobre de Oliveira, mais conhecida como Graça, é uma pequena agricultora da margem do rio Purus, da comunidade Maracaju. Mãe de sete filhos, logo nova ficou viúva e teve que se desdobrar para criar suas crianças da forma que foi ensinada e da forma que inventou. Uma dessas figuras fortes, construída unicamente por força de seus braços, riquíssima de VIDA e de espírito.  

Sempre muito polêmica, falante e expansiva, lembro-me em 2004, quando estávamos começando o processo de criação da Reserva, que a Dona Graça era contra a criação. Afinal, o poder público mal passa por aqui e, quando passa, é para “proibir”? Sem muitas papas na língua dizia francamente “Isso aí, eu não quero não”. Tudo isso, pasmem, com muito respeito, generosidade e galinha caipira na panela pra nos receber. Lembro de uma avaliação que fizemos na equipe: “mesmo contra a Reserva, Dona Graça é uma das nossas principais aliadas.”   

Nas reuniões que realizávamos e realizamos com as comunidades, a presença da Graça é sinal de confusão e bate-boca. Aliás, desculpe. Bate boca pressupõem alguém discutindo com alguém. Mas com a Graça não precisa nem do outro. Ela pede a palavra, se levanta e ai é chumbo do grosso pra todo mundo: é o IBAMA que não fiscaliza, é o peixe que acabou no lago, é o vizinho que caçou com cachorro, é a casa do INCRA que não chega e, não alivia nem pro filho, “esse menino bebe que é uma desgraça”.     

Além de tudo isso que já é muito, talvez a graça que tem a Graça é que ela é poetisa e compositora. Suas histórias de vidas são permeadas por causos contados através de rima e música. Ela compõe sua própria trilha sonora. Sentar com a Dona Graça depois da janta é garantia de muitos causos da beira do rio e boas risadas. E pra todas as suas histórias tem sempre uma música ou um versinho pra ilustrar. Como da vez que uma família de vizinhos começou a espalhar boatos dos seus filhos e assim nasceu:

Galo de campina, “rexinol” de laranjeira
Não “assubo” na tua casa
Porque tem muita ladeira
“Seus cachorro” são muito bravo 
E sua mãe é faladeira.   

Isso é uma delícia, né não?
Por não saber ler nem escrever, suas lembranças é o seu caderno de anotações. As letras de suas músicas e versos são organizadas numa estante que, infelizmente, um dia vão se apagar. Vimos ajudando a colocar no papel suas músicas e seus causos pra que isso não se perca. Talvez tenha sido ela, com outros poetas da Arapixi, uns dos principais incentivadores dos versos que venho me arriscando a escrever de uns tempos pra cá. 

No mais, acredito que a Dona Graça é uma personagem da Maria Nobre. Pouco conheço desta última. Acho que somente a carteira de identidade mesmo. A Graça é uma espécie de máscara, uma fantasia de carnaval alegre e comunicativa da Maria. A Nobre, talvez, esconda suas dores e tenha muito o que chorar e lamentar pela vida difícil e cheio de privações que leva. É de se imaginar que a Dona Graça reinvente a Maria Nobre todo dia para que ela não caia de cansaço e desanime.

Enfim meus amigos, resgatar a história desses bravos brasileiros anônimos e "invisíveis" aos olhos do Brasil "independente", só nos mostra o quanto somos dependentes ainda da falta de respeito para com os nossos filhos. A Nobre e a Graça, em meio a tanta indiferença e dificuldades impostas pela natureza e pelo descaso social, fizeram uma clara opção por ser feliz e se comunicar. E, por incrível que pareça, conseguem.  
Essa Nobre é uma Graça! Sua benção! 

06 de setembro de 2009
Felipe Cruz MendonçaServidor Público, fã da Graça e escrivinhador nas horas vagas.

No Youtube tem 3 vídeos da Dona Graça cantando músicas de sua autoria. Tem até cantando Fuscão Preto.

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